As práticas de corrupção mudam rápido e empresas usam casos reais para gerar novos códigos de conduta

Com a chegada da lei anticorrupção em 2013 e a proporção tomada pela operação Lava Jato, o tema de compliance ganhou evidência, mas empresas mais estruturadas já têm suas práticas bem estabelecidas há muito tempo. É o caso da centenária Philips. Há mais de 120 anos no mercado, a companhia holandesa desenvolveu seu código de conduta há mais de 50 anos e por ser multinacional está submetida a regras de compliance internacional. “Como o código já é bastante maduro, acaba sendo parte da cultura da empresa”, afirma Patricia Frossard, CEO da Philips no Brasil e diretora de compliance da empresa na América Latina.

Ainda assim, para que as regras se mantenham ativas, o código é revisado a cada dois anos. “As práticas de corrupção vão mudando então é preciso atualizá-lo, e sempre há espaço para melhorar as políticas”, diz a executiva. A atualização é feita com base em situações reais que aconteceram e para as quais percebe-se que o processo não estava bem desenhado. Segundo Patricia, o código de conduta da Philips é amplo e fala de corrupção, tratamento desrespeitoso entre colegas, preconceito e relação entre chefe e subordinado, entre outros temas.

No final de 2017, a companhia decidiu criar um comitê de compliance. Formado pela alta liderança da empresa, o grupo revisa o número de casos para tirar “a temperatura da organização”. “Isso é fundamental para desenhar os treinamentos e refletir sobre a eficácia das ações”, afirma a CEO.

Os treinamentos, diz Renato Santos, diretor do Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC), são a base para que se mantenha viva a política de compliance nas empresas.

Na incorporadora Tegra, do grupo canadense Brookfield Asset Management, os treinamentos ligados a compliance têm linguagem adequada para cada público-alvo. “Temos uma relação de treinamentos básicos, que todos os colaboradores fazem, e há desdobramentos com temas específicos para alguns grupos”, explica Diego Sandrini, gerente geral de compliance da Tegra.

O executivo diz que o time operacional dos canteiros de obras, por exemplo, recebe um treinamento com linguagem mais adequada à sua realidade e ao dia a dia que vai enfrentar no ambiente em que está inserido. Já a equipe da empresa que interage com agentes públicos recebe outro tipo de treinamento e o time que recebe inspeção nas obras tem uma abordagem específica. Segundo Sandrini, os treinamentos ligados a compliance têm prazo de validade e precisam ser refeitos periodicamente.

Na farmacêutica alemã Merck, todo funcionário que ingressa na empresa recebe o código de conduta com todos os valores e expectativas da companhia. Além disso, a empresa foca seus treinamentos de compliance nos gestores. “Entendemos que eles são o principal veículo de comunicação com os funcionários e podem disseminar uma cultura ética”, afirma Adriana Coelho, compliance officer da Merck no Brasil.

As áreas de negócio com maior risco, como a de vendas pública e privada, recebem treinamentos customizados, elaborados com base em casos reais nacionais e internacionais. “É preciso saber mais que a teoria para resolver dilemas éticos”, diz Adriana. Esses casos, segundo a executiva, trazem à tona as situações que geraram mais controvérsia. “Fazemos uma pesquisa interna para entender onde estão as maiores dúvidas”, diz a executiva. “Buscamos entender os desafios diários dos funcionários para compreender os riscos e manter o treinamento atualizado em relação a eles.” Em dezembro, no dia internacional de combate à corrupção, a Merck realizou um evento interno sobre o tema. “A comunicação deixa viva a política”, afirma Adriana.

Em outra farmacêutica, a francesa Sanofi, a área de compliance passou por uma reformulação e desde 2016 o tema passou a ser levado para os funcionários “de forma mais positiva e engajadora”, segundo Lilian Lustre, diretora de ética e integridade nos negócios da Sanofi. Para isso, a companhia trabalha duas frentes. A primeira é a criação de um ambiente de controle robusto, com comitê de compliance, treinamento para transmissão das principais regras e políticas, monitoria e auditoria para checar a eficácia das práticas, canal de denúncias e ações corretivas.

A segunda frente está relacionada a influenciar positivamente o funcionário e engajá-lo no tema. “Mostramos que a responsabilidade é de todos, e que cada um precisa refletir sobre seu comportamento no dia a dia da organização”, comenta Lilian. “É levar isso para si próprio como um valor – eu trabalho em uma empresa ética e isso gera valor para mim como profissional no mercado e também para a companhia.”

Para alcançar esse objetivo, a Sanofi tem um treinamento anual ligado à ética e um programa de comunicação que leva o tema aos funcionários periodicamente. “Se você tem uma empresa com valor ético, isso também ajuda a atrair mais talentos. É um valor positivo para a organização e se ela usa isso para engajar também, como diferencial competitivo não só para o cliente, mas também para atrair novas pessoas.”

Fonte: Valor Econômico

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